Vício em Dopamina e o Mindfulness

Ano novo, vida nova, esse é o ditado, mas como somos praticantes de mindfulness sabemos que podemos recomeçar a qualquer momento, basta respirar profundamente, e recomeçar. Contudo, na nossa cultura existe algo especial sobre a virada do ano. É uma época para fazer objetivos e traçar novas rotas. Muitos de nós prometem emagrecer, usar menos álcool, usar menos celular, etc. E, como sabemos, a maioria de nós vai falhar em alcançar esses objetivos.

No intuito de te ajudar a deixar, ou a diminuir, qualquer comportamento ao qual você possa ter um vício, seja bebida, comida, ou o smartphone, escrevi esse texto, sobre um tema que está famoso nas redes, nomeadamente, o “Jejum de Dopamina”, acredito que esse termo tenha sido primeiramente cunhado pela médica psiquiatra Dra. Anna Lembke, em seu livro, “Nação Dopamina”. Vou passar brevemente por alguns dos principais pontos do livro, para que você entenda como pode abandonar seu vício. O que pode te surpreender é o papel do mindfulness nesse processo.

Em primeiro lugar, vamos olhar para o subtítulo do livro com mais atenção: “Por que o excesso de prazer está nos deixando infelizes e o que podemos fazer para mudar”. O que ela quer dizer com excesso? Prazer não é sempre bom? Como disse o antigo filósofo estoico Sêneca, “todo prazer a partir de certo ponto, se torna uma punição”. Um drinque pode parecer uma boa ideia, mas vinte trarão consequências, as vezes catastróficas.

Dra. Lembke irá argumentar em seu livro que criamos um mundo bom demais até para a nossa saúde mental, é forte a sua pergunta logo nos primeiros capítulos:

“A pergunta é: por que, numa época sem precedentes de prosperidade, liberdade, progresso tecnológico e avanço médico, parecemos estar mais infelizes e com mais dores do nunca?”(Lambke, Anna, p.50, 2022).

Para explicar essa questão vamos precisar de um pouco de biologia evolucionista. Vou usar o problema da obesidade porque é um problema mais concreto. O corpo humano é uma máquina construída ao longo de milhares de anos através do processo da evolução por seleção natural. Acontece que a evolução trabalha em um ritmo bastante lento, para uma adaptação significativa surgir, muitas vezes leva-se mais de dez mil anos. A questão é que nos últimos 10 mil anos o ser humano inventou a agricultura, a roda, e rapidamente já estava explorando o espaço. Nosso corpo foi projetado, por assim dizer para as savanas africanas de 100 mil anos atrás. Naquela época para sentir um sabor doce, talvez um ancestral nosso precisasse correr quilômetros, fugir de predadores, subir em uma árvore para pegar uma única fruta madura.

Hoje em dia, comidas ricas em açúcar, carboidrato e gordura são abundantes. Existe uma abundância de recursos e um desejo insaciável por comida calóricas. Não impressiona que existe no mundo mais pessoas com obesidade do que passando fome (Lambke, 2022).

Como a autora muito bem descreveu, somos cactos no meio da floresta amazônica. Nosso desejo por comida doce e gordurosa era adaptativo e saudável em um mundo onde esse recurso era extremamente escasso, mas em um mundo no qual isso é muito abundante esse desejo é tóxico.

E como isso se aplica ao, tão famoso nas redes, excesso de dopamina? E como o jejum de dopamina pode ajudar? Sempre que alcançamos um objetivo, o cérebro libera dopamina, dentre outras substâncias como recompensa, no fundo todos os seus comportamentos que visam prazer estão liberando dopamina e é por isso que você se sente bem.

No mundo moderno, estamos o tempo todo mergulhados em dopamina. Se não quisermos, não passaremos um único segundo com nossos pensamentos, podemos usar remédios, drogas, smartphone, televisão, internet, pornografia, e assim em diante. O problema é que o cérebro foi projetado para encontrar sofrimento, por mais que queiramos fugir disso o tempo todo. O cérebro, para ser saudável, precisa aprender a lidar com o sofrimento.

Se voltarmos ao mundo de 100 mil anos atrás, não encontraremos um mundo fácil. Nossos ancestrais sentiam medo de predadores, tédio por não fazer nada, ficavam sozinhos com os próprios pensamentos, perdiam parentes para a morte em guerras e conflitos tribais, ficavam doentes sem medicina. Era uma vida dura. E se, o seu cérebro, vem para este mundo e só encontra prazer, ele entra em curto circuito, e passa a produzir o próprio sofrimento internamente.

Não há como escapar da dor e sofrimento nesta vida, seja interno ou externo. A melhor coisa a se fazer é aceitá-lo ao invés de fugir dele através de um vício. Contudo, se você se encontra na situação de estar viciado em algo e quer parar, aqui vai um acrônimo DOPAMINA, que pode te ajudar a superar esse seu vício (2).

D corresponde a dados, o primeiro passo a se dar diante de um vício é saber o quanto se usa, por exemplo, se uma pessoa fuma, quantos maços por dia ela usa. O corresponde a objetivos, mesmo um comportamento nocivo apresenta alguma lógica pessoal. Se usar drogas fosse ruim, ninguém usaria. Algum prazer o usuário tira daquele comportamento. P vem de problemas, quais problemas o uso do seu vício tem causado a você? A vem de abstinência, é aqui que o conceito de jejum de dopamina aparece.

Diversos estudos neurológicos revelaram que 30 dias em abstinência, do comportamento ou substância, que leva ao vício são suficientes para o cérebro passar por uma reprogramação e voltar a um estado muito parecido a de quem nunca foi viciado. É um conceito conhecido como homeostase, o corpo sempre tenta estar em um estado saudável. E, esses 30 dias de jejum de dopamina, para a maioria das pessoas, parecem reestabelecer boa parte da saúde do cérebro.

M significa mindfulness. Como já foi mencionado em outra parte deste texto, não adianta fugir do sofrimento. Mesmo a eliminação completa dele, vinda de causas externas, só irá criar um sofrimento advindo de causas internas. O que fazer afinal? Aceitá-lo, ora. Se algo faz parte da estrutura da realidade devemos aceitar esse estado das coisas. O mindfulness, inicialmente, nos ensina a prestar atenção na nossa respiração, mas na verdade não é isso o que ele faz. Ele nos ensina a prestar atenção nas sensações envolvidas com respirar, assim nós decompomos a experiência em partes mais simples e fundamentais. Além disso, com a meditação da bondade amorosa, somos treinados a expandir a experiência de empatia para com todos os seres vivos. Esses movimentos de decompor a estágios cada vez mais micros e expandir para estados cada vez mais macros da experiência produz um estado basal de aceitação, paz, e não julgamento da realidade. É difícil explicar com palavras, é algo prático. Porém, confie em mim, a prática do mindfulness ensina a lidar com o sofrimento enquanto ele surge e desaparece sem fugir em vícios.

Sei disso por experiencia própria, nos último 6 meses perdi 13 kg. Se eu não tivesse aprendido a sentir o sofrimento da fome, e outras dores emocionais, sem fugir para a dopamina da comida, não teria conseguido emagrecer tanto.

I vem de insight. Com 30 dias sem uso agora você estará com mais lucidez mental para decidir se vai voltar a usar de forma mais moderada ou vai parar de vez com o seu vício. N vem de nossos passos, como será sua vida de agora em diante? E significa experimento, só através da tentativa e erro que você descobrirá como será sua nova vida sem o seu vício ou com ele pelo menos mais sobre controle – lembrando ao leitor que esse acrônimo vem do inglês da palavra dopamine.

Amigos, essa era a mensagem que eu tinha para passar, agora vocês sabem profundamente o que é esse tal de jejum de dopamina que andam comentando nas redes. Espero que esse conhecimento seja útil. Continuem praticando!

Referências/ Notas

1) Lembke, Anna. Nação Dopamina: por que o excesso de prazer está nos deixando infelizes e o que podemos fazer para mudar. 1.ed. São Paulo: Vestígio, 2022.
2) Nem texto na internet pode substituir uma consulta médica, caso esteja seriamente viciado em algo procure um médico de confiança.

Autor: Tiago Leal , médico, formado em filosofia pela UnB e apaixonado por neurociências e saúde mental.