Perdão e Raiva: a transformação começa em nós

O perdão e a raiva são sementes que cultivamos dentro de nós. O que escolhemos nutrir cresce e se manifesta no mundo ao nosso redor. Quando nos alimentamos de raiva e ressentimento, eles se espalham por nossa mente e coração, enraizando-se cada vez mais.

Nos momentos de fúria, o sofrimento parece exigir uma resposta. Queremos retaliar, causar dor para aliviar a nossa própria. Mas esse ciclo apenas multiplica o sofrimento — para quem sente e para quem recebe. Ferimos, somos feridos e ninguém sai vitorioso. O que realmente precisamos não é punição, mas compreensão e acolhimento.

A raiva não é apenas um estado emocional; é também um fenômeno biológico. Ela se manifesta na tensão dos músculos, na respiração acelerada, no calor que sobe pelo corpo. No entanto, assim como o corpo se contrai, ele também pode se abrir. Um simples sorriso, ainda que pequeno, pode suavizar os contornos duros da raiva e dar início à transformação.

Assim como a luz do sol atravessa as pétalas de uma flor até que ela se abra, nossa consciência pode banhar a raiva com luz e entendimento. Quando a observamos sem julgamento ou repressão, percebemos que sua raiz, muitas vezes, está em uma percepção distorcida, um medo não reconhecido, uma dor não curada.

Se nos prendemos ao passado ou nos deixamos consumir pela ansiedade do futuro, perdemos o presente. A xícara de chá, a conversa sincera, o céu azul, a presença de alguém querido — tudo se torna inalcançável quando estamos enredados em nossas próprias dores.

A transformação começa pelo que escolhemos consumir, não apenas no prato, mas também na mente e no coração. O que lemos, ouvimos e repetimos internamente molda o que cresce dentro de nós. Se alimentarmos a raiva, ela se expandirá; se cultivarmos a consciência e a compaixão, elas florescerão.

Quando a porta da comunicação se abre, tudo se torna possível. O perdão é um ato de coragem, um presente que damos a nós mesmos. Não significa ignorar a dor ou aceitar injustiças, mas sim escolher não perpetuar o sofrimento. Independentemente do que a outra pessoa seja capaz de fazer, cabe a nós darmos o primeiro passo — sem esperar, sem impor condições.

Antes de nos vermos como vítimas das ações alheias, precisamos reconhecer as prisões internas que nós mesmos criamos. A raiva, como todas as emoções, é orgânica. Se a acolhemos, podemos transformá-la em compaixão. Assim como o lixo orgânico pode se tornar adubo para belas flores, nossos sofrimentos também podem nutrir nossa compreensão e crescimento.

Quando a raiva surgir, dê-lhe espaço e tempo para retroceder. Como uma flor sob a luz do sol, ela se revelará em sua essência. E, na sua essência, há apenas um chamado para a compreensão, para a paz e para o amor.

Referência: Nhat Hanh, Thich. Anger. 1. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2022.

Autora: Lorrany Estacio. Ex-aluna MBSR 2024.