O Declínio do Silêncio
Lembro-me da minha primeira sessão de meditação como instrutor. Estava em uma pequena sala, com um círculo de almofadas e pessoas que haviam chegado com olhares esperançosos. Não estavam ali para aprender uma técnica de produtividade ou para controlar a ansiedade antes de uma reunião importante. Estavam ali porque queriam compreender algo mais profundo sobre si mesmos e sobre o mundo ao redor.
Hoje, anos depois, vejo essa cena se repetir em espaços bem diferentes: salões de empresários, startups de tecnologia, retiros corporativos onde o mindfulness é vendido como um “hack” para melhor desempenho. A sala continua cheia, mas os olhares mudaram. Agora, me perguntam com mais frequência sobre como otimizar o tempo de meditação, como tornar o processo mais eficiente. A prática, que um dia foi sobre libertação, foi reduzida a mais uma ferramenta de produtividade.
O mindfulness que se espalhou pelo mundo ocidental é uma versão higienizada e comercializada da meditação. No início, parecia uma boa ideia: tornar o estado de atenção plena acessível a todos, sem dogmas ou exigências espirituais. Mas o que aconteceu foi um esvaziamento completo da prática. Hoje, é comum encontrar aplicativos, cursos e programas de “atenção plena” que prometem mudar sua vida em poucos minutos por dia.
A questão é: o que estamos realmente praticando?
Quando a meditação se tornou um produto?
Ao longo dos anos, vi a prática da meditação ser retirada de seu contexto comunitário e ético. Tradicionalmente, meditar nunca foi apenas sentar-se em silêncio e observar a respiração. Havia ensinamentos que acompanhavam a prática, um código de conduta baseado na não-violência, no desapego e na compaixão. Mas o que vemos hoje é um mindfulness reduzido a um ato isolado, desconectado de qualquer tipo de compromisso com o mundo.
O ocidente sempre teve essa tendência de extrair pedaços de sabedoria de culturas não-europeias e reempacotar para consumo próprio. A prática contemplativa não nasceu nos escritórios do Vale do Silício nem nos cursos de MBA. Ela surgiu de tradições antigas: do budismo na Índia e na Tailândia, das rezas e danças dos sufis muçulmanos, das cerimônias dos povos indígenas, dos quilombolas que preservam seus rituais e cantares como formas de resistência. O mundo inteiro sempre teve práticas meditativas. O problema é que, quando o ocidente se apropria delas, retira tudo o que é incômodo ao sistema capitalista: a crítica à ganância, o compromisso com o outro, a dissolução do ego.
A meditação como consciência e resistência
Talvez seja ingênuo pensar que podemos frear essa mercantilização. Mas ainda acredito que existem espaços onde a prática continua viva. Não nos escritórios envidraçados, mas nas rodas de conversa de comunidades que mantêm a cultura oral, nas pessoas que se reúnem para cantar mantras não como um produto “wellness”, mas como um ato de celebração e pertencimento.
Sempre que alguém me pergunta sobre como iniciar a prática meditativa, sugiro que busque as fontes autênticas. Que não se prenda à superficialidade do mindfulness corporativo, mas explore as tradições que sempre cultivaram a contemplação. Que olhe para as sabedorias indígenas, para os quilombos, para as práticas de reza e de canto de tantas culturas apagadas pela colonialidade.
Sei que o mundo mudou e que nem todos estarão dispostos a seguir esse caminho mais longo. Mas acredito que, enquanto houver pessoas dispostas a buscar o silêncio real, que não seja um silêncio produtivo, mas um silêncio revolucionário, ainda haverá esperança.
Porque a meditação não é um aplicativo. Não é uma técnica de marketing. É uma forma de existir no mundo. E essa forma, quando praticada com autenticidade, é uma das mais belas formas de resistência.