Diário da Gratidão

Existe um hábito simples que pode melhorar a sua saúde física e mental. Um hábito que leva 5 minutos por dia. É gratuito, e não envolve medicamentos, psicólogos ou psiquiatras. Está curioso certo? Esse comportamento é o hábito da Gratidão. Pode parecer clichê, mas existe muita ciência por trás. Neste artigo, vamos abordar a ciência que fundamenta a gratidão, e como eu vejo sua aplicação na minha prática clinica, e na minha vida pessoal.

Primeiro, vamos começar definindo a gratidão. Gratidão é a habilidade de perceber algo bom na sua vida, e reconhecer que aquilo não foi causado por você, e ficar feliz por isso (1) (2). Por exemplo, você provavelmente está lendo este artigo através de um celular – ou um dispositivo equivalente. Já parou para pensar na imensa cadeia de pessoas necessárias para esse ato simples? Por mais que você tenha reunido o dinheiro para comprar. Você foi o engenheiro que projetou o computador? Inventou a energia elétrica? A língua portuguesa foi você quem a inventou? Sem o trabalho de um número incontável de profissionais – que voltam até centenas de anos no passado – eu não poderia escrever essas palavras e nem você as ler. Que tal uma pausa para ser grato por todos esses seres humanos?

Porém, talvez você não tenha se sentido grato – e, tudo bem. A gratidão só funciona se for genuína, e precisa vir de você. E o que eu quero dizer por funcionar? Devido a mudanças bioquímicas do cérebro, quando somos gratos saímos de um modo alerta e ansioso para um modo relaxado e calmo. Ser grato está estatisticamente correlacionado com a diminuição da insônia e aumento da qualidade de sono (3). Também tem correlação com a queda na probabilidade de desenvolver pressão alta, diabetes, doenças cardiovasculares, câncer e doenças renais (4). E claro, nem preciso dizer que a gratidão é uma importante medida preventiva contra a depressão e ansiedade (1).

Munido desse conhecimento, há um mês venho praticando a gratidão todos os dias, e vivo uma vida muito mais feliz do que antes. Afinal, não é por isso que trabalhamos tanto? Não é por isso que acumulamos riquezas e status? Não é para sermos felizes? Pois bem, há um mês sou muito mais feliz do que antes, sem ter ganhado um real a mais, sem ter sido promovido, sem trabalhar mais, nada, apenas sendo mais grato.

Trabalho como médico, e muitas vezes vejo pessoas afundadas na tristeza, arrependimento, medo, culpa e infelicidade por não praticarem a gratidão. Claro, em muitos casos, essas pessoas preenchem critérios para um transtorno psiquiátrico, como a depressão. No entanto, meu foco aqui foi como elas foram parar no poço profundo do transtorno depressivo.

Se engana quem pensa que as pessoas deprimidas são apenas aquelas cujos passados envolvem tragédias. Vamos dar o exemplo do paciente João*. João é um homem de 24 anos que aparentemente tem tudo, exceto, uma vaga no curso de medicina. Ele é de classe média alta, tem uma namorada bonita e companheira, uma família quase perfeita, saúde, beleza, juventude, mas nada disso é o suficiente, sua única fixação é a de que ele não é um estudante universitário de medicina. Todos os dias ele estuda, pensa nisso, e reclama. Vem ao meu consultório e sofre, chora, está insatisfeito. E sua insatisfação diária acabou se tornando um quadro misto depressivo-ansioso. Vi isso, centenas de vezes.

Todos nós somos, da classe média ou mais alta, somos um pouco como João. Se estamos vivos e respirando já podemos pressupor que há mais eventos corretos com nosso corpo do que errados. Mesmo diante de uma doença grave, se hoje estamos vivos e respirando, por que não sermos gratos? Sabemos ler, escrever, temos um teto sobre nossas cabeças, roupas, luz elétrica, água limpa e comida. Existe uma fila quilométrica de pessoas, neste mundo, que literalmente mataria para ter isso.

A parte triste é: um dia a vida irá jogar um problema realmente sério no colo de João – como faz como todos nós. Talvez ele realmente passe em medicina para alguns dias depois descobrir que só terá mais algumas semanas de vida, ele pode perder o movimento das pernas, a família pode falir completamente, um familiar ou até ele podem ser presos justa ou injustamente, a lista é longa. E, como, sua mente não é resiliente, o sofrimento será profundo e intenso.

A gratidão não é uma panaceia. Não é um remédio que pode curar a depressão ou prevenir tudo. Pessoas gratas podem ter depressão também. É como fazer musculação. A gratidão diária, especialmente em tempos de estabilidade vai deixando a mente mais e mais forte. Um dia tudo vai dar errado, sempre acontece, e nesse dia sua mente estará forte. Na minha experiência são os pacientes com atitude positiva, gratidão e esperança que mais tem chance de entrar remissão do transtorno depressivo, ansioso, bipolar, esquizofrênico, ou seja qual for. Essas pessoas tem a força mental de aceitarem suas doenças, fazerem terapia e subirem as escadas dolorosas da recuperação.

Certo, mas como praticar a gratidão? Vamos começar com o Diário da Gratidão. Quando você acordar, pegue um caderno bonito, limpo e novo. Nele anote a data, e três motivos pelos quais ser grato. Pode ser qualquer coisa boba, grande ou pequena, o essencial é que seja importante para você. No início nada vai mudar, mas com o passar das semanas você vai ver. Sua mente, automaticamente, passará a ver o melhor da vida.

Extrai alguns exemplos reais do meu caderno da gratidão para você ver como faz. Dia 28/8/24: “Sou grato, no dia de hoje consigo andar”; 31/08/24: “Sou grato por ter amigos, que tanto amo, quantos não se sentem sozinhos?”; 21/09/24 “Sou grato por hoje ter saúde o suficiente para praticar Yoga”. Entendeu o espírito? Só de escrever essas palavras já fiquei um pouco mais feliz!

Bom pessoal, esse foi o primeiro texto desta Newsletter a ideia é que ela seja semanal. As referências científicas estão na sessão de “Referências”. Podem comentar ou escrever de volta com sugestões de temas. Se você acha que esse texto pode ser útil para alguém não deixe de indicar. Sou grato que você tenha chegado até aqui!

Notas

*João é um paciente fictício que reúne traços de dezenas de homens e mulhres que eu já atendi. Faço isso para preservar a identidade das pessoas que confiam em mim, se o seu nome realmente é João e essa história se parece com a sua, isso é apenas uma coincidência.

Referências

1)    CASSIDAY, K. FREEDOM FROM HEATH ANXIETY. 2022

2)    EMMONS, R.A &   M.E MCCULLOGH. 2003. COUTING BLESSINGS VERSUS BURDENS. AN EXPERIMENTAL INVESTIGATION OF GRATITUDE AND SUBJECTIVE WELL-BEING IN DAILY LIFE. JOURNAL OF PERSONALITY AND SOCIAL PSYCHOLOGY

3)    “Ng, M.-Y., and W.-S. Wong. (2013). “The Differential Effects of Gratitude and Sleep on Psychological Distress in Patients with Chronic Pain.” Journal of Health Psychology 18(2): 263-271.”

4)    “Krause, N., R.A. Emmons, G. Ironson, and P.C. Hill. 2017. “General Feelings of Gratitude, Gratitude to God, and Hemoglobin A1c: Exploring Variations by Gender.” The Journal of Positive Psychology 12(6): 639–650.”

Tiago Leal , médico, formado em filosofia pela UnB e apaixonado por neurociências e saúde mental.