RETIRO-ME EM SILÊNCIO
Na primeira vez, entrei com o olhar curioso como o de uma criança que chega pela primeira vez no jardim de infância. Tantos detalhes a se observar, tanta poeira a se retirar… Resolvi faxinar. Foram 3 dias abrindo gavetas, movendo móveis, olhando por debaixo do tapete. Encontrei amores bem vividos, dores sangradas e alegrias vibradas. Era tanta coisa a se fazer que precisei ir aos poucos, sabendo que a faxina não terminaria ali. Retirei com calma as falas que já não mais me cabiam e limpei o grito impregnado pelos cantos. Fechei a porta da sala e me despedi do jardim de infância sabendo que em algum momento eu voltaria ali.
Foi então que, na segunda vez, me vi entrando pela porta dos fundos. Obviamente que eu já sabia o que fazer ali: limpar um pouco mais o grito, permanecendo o silêncio. Ledo engano… o óbvio não dito estava escancarado em um novo espelho que eu não havia percebido. E foi a primeira vez que eu me enxerguei por outros ângulos a ponto de sangrar. Chorei como a criança do jardim de infância que tinha medo de ser deixada para trás. Retirei-me da sala, retirei-me de mim mesma.
A terceira vez veio com a não vontade de querer entrar. É que eu estava tão desconectada do meu eu que eu não sabia o que esperar. Será que teriam novos espelhos naquela sala? Será que seria só mais um pouco de pó a se retirar? O que seria?
Escancarei as portas, abri as janelas e, ali, novos elementos me convidaram a observar. Nada mais a fazer, nenhum outro lugar a se estar. Apenas observar. E assim foi, um olhar compassivo para o teto, uma alegria genuína para as paredes e uma bondade muito amorosa para aquele espelho.
Retirei-me em silêncio depois de toda aquela observação, sabendo que o próximo convite para a sala poderia vir com o choro da criança ou com a maturidade da adulta. Uma nova vivência. Um novo olhar. Um novo retiro.
Retiro-me.